As obras reunidas na exposição ASAS de Cristina Agostinho retomam a costura – técnica e tradição tão vinculada ao cuidado com o outro, com a afetividade – em novas interpretações e símbolos do universo feminino, através da lupa do universo próprio da artista. Uma herança dos movimentos feministas e suas profundas mudanças nos papéis sociais no final dos anos 60 do século XX.
#TextoCrítico
Asas para um mergulho dentro de si
_ Ana Rocha
A primeira vez que encontrei o trabalho de Cristina Agostinho foi em 2007. Na ocasião, eu era mediadora na Casa Andrade Muricy, onde ela realizava uma exposição individual. Ainda é muito vivo em minha memória o que mais me marcou em seus desenhos/costuras: que o verso é também parte do trabalho. Quando pensamos no suporte do papel ou da tela, são os limites da superfície que assumem o protagonismo das discussões. Mas no trabalho de Cristina Agostinho as linhas que atravessam o tecido desenham, no vai e vem, penduram-se, transformam-se e criam volume, um corpo que se veste daquele tecido e transcende a superfície.
A costura é o ato de juntar duas superfícies, duas partes de tecido. Utilizada universalmente pela humanidade para nos vestir, a costura é uma tradição que nos remete a tempos tão remotos quanto o paleolítico, contudo no ambiente doméstico moderno torna-se uma atividade quase exclusiva feminina. Uma atividade ligada ao cuidado com o outro, à afetividade. O universo feminino enquanto análise poética é uma herança dos movimentos feministas, que provocaram mudanças nos papéis sociais no final dos anos 60 do século XX, inclusive no campo da arte. A relação entre arte e feminismos abriu espaços para as técnicas, as expectativas e os hábitos do universo privado, da casa onde a mulher habita, para o interno.
Na exposição ASAS, Cristina Agostinho nos envolve em um conto onírico, cheio de símbolos e um vocabulário próprio, no qual os vestidos e as pinturas são costurados pela mitologia e pelo universo do feminino. Como o próprio título sugere, somos convidados a alçar vôo em seu universo particular, a tecer uma relação com sua própria imagem e desenhos que a linha conduz sobre e através do tecido e a tinta sobre a tela. Seus autorretratos cheios de lirismo são um convite a entrelaçar – nos no colar de contas, na imensidão dos sentimentos que atravessam o cotidiano e despertam um desejo da intimidade, de atravessar e adentrar ao universo que se apresenta. Um convite a reconhecer o nosso feminino, a nossa sensibilidade e capacidade de olhar para nosso verso, para nosso mundo interior.
Sobre a artista
Natural de Portugal, Cristina Agostinho vive e trabalha em Maringá, PR. Formada em Artes Visuais na Belas Artes de Lisboa e pela FAAP – Fundação Armando Alvares Penteado, iniciou sua carreira artística na década de 1990 em São Paulo. Realizou exposições individuais e coletivas, entre as quais “Os treze” (Palácio dos Coruchéus – Lisboa,1989), “Cristina Agostinho e Sandra Cinto” (Casa Triângulo – São Paulo, 1993), “Imãs” (Casa Andrade Muricy – Curitiba, 2008) e “Estamos aqui” (MAC – PR, Curitiba, 2019). Seu trabalho “Bandeirola 4” integra o acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná.
Texto: Ana Rocha / Design Gráfico: Richard Romanini / Montagem: Rogério Bealpino / Fotos e Vídeo: Rafael Dabul
A exposição #ASAS é uma realização do #BRDE Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, por meio do Edital de Exposições de Artes Visuais (2019 – 2020). Comissão: Geraldo Leão, Rafaela Tasca e Silvio De Bettio.