Teca Sandrini apresenta “O que resta”, exposição individual que toma como casa o Palacete dos Leões. São oito pinturas, dois desenhos, três esculturas em mármore e um voil que convidam o espectador para um universo de detalhes. Nas palavras da crítica de arte Maria José Justino, que assina a curadoria da exposição, o trabalho de Teca “é inseparável de sua existência” e os papéis de criadora e criatura se confundem constantemente.
Assista ao vídeo “O Que Resta – conversa com Teca Sandrini, Maria José Justino e Debora Russo” preparado para a 12a. Semana de Arte, Cultura e Literatura da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba.
#ExposiçãoVirtual
A exposição proporciona uma experiência imersiva com um tour virtual com comentários realizados pela própria artista e elaborado pelos fotógrafos e designers Cristiane e Ricardo Macedo. Acesse aqui o Tour Virtual .
#TextoCritico
Teca Sandrini – Água de Todas as Possibilidades
_Maria José Justino
Buscar entender a obra pela vida do artista? “O sentido de sua obra não pode ser determinado por sua vida […] é certo que a vida não explica a obra, porém certo é também que se comunicam” (Merleau-Ponty).
Teca já havia afirmado: “Meu trabalho não é autobiográfico, mas ele
representa uma percepção que tenho de uma mulher de classe média que vive dupla vida dividida entre o trabalho e o lar”. Nada excepcional; realidade semelhante à vida de tantas outras mulheres. No entanto, essa artista originou, se não uma vida diferente, uma obra especial. Seu trabalho é inseparável de sua existência: vida e obra apresentam “um cenário onde a artista surge ora como criadora ora como criatura”(Marques).
Lá atrás, as raízes – tralhas, potes, panelas, mesas, cadeiras, gavetas – do
mundo doméstico; caos organizado. “E, que ninguém nos ouça: amamos nossas panelas, as cadeiras da cozinha, os potes de sal e de farinha, porque eles são, na verdade, os nossos chegados amantes, com os quais dividimos, dia a dia, a nossa vida para a perpetuação da humanidade” (Abramo). Então afloram os bichos. Mas e os bichos e os fantasmas, também os amamos? Seja como for, amando-os ou não, são nossos arroios caminheiros.
Teca continua essa artista-mulher gladiadora, aguerrida à vida. Teca na Escola de Belas Artes, onde semeou liberdade aos ávidos estudantes; Teca com as presidiárias, junto das quais conviveu com a marginalidade; Teca dirigindo o MON, o lado burocrático da arte; Teca mãe, amante e artista. Mais recentemente, outra prisão lhe é revelada: a longa convivência com a doença do marido (Romolo). Experiência solitária do limite da vida. Nessa provação, a urgência de se refazer.
Da artista essencialmente gráfica (gravuras e desenhos), da violência das
cores (pinturas) à dureza da pedra (atuais esculturas dos travesseiros), recorrente a carência de criar. O macio das espumas e dos tecidos encontra o sofrimento na rigidez da pedra. Metáfora da resistência.
Daquela realidade embrutecida em que a figura humana começava a se
tornar insuportável, porque excessivamente consciente – fase das mulheres e utensílios –, Teca avançou por um labirinto entre bichos e objetos anárquicos. Ao eleger os detalhes, a artista obtém uma estrutura mais solta e livre na imprevisibilidade da forma. Cadeira? Lugar do repouso. Gavetas? Posto dos guardados e escondidos. E hoje os travesseiros. Objetos que falam. Cada fragmento de sua pintura é como uma mônada: no elemento mais simples, contido todo um universo.
Teca sabe que os pesadelos são reais, que os fantasmas existem. Afrontou
os limites quando conviveu com o pesadelo da perda gradativa da visão. Desafio a uma pintora obrigada a ver o mundo por outro ângulo, em que a mão fica dependente do invisível alojado na memória. O último dos pesadelos: a intimidade com a doença, com a perda, com o lado sombrio da morte. Irrompe assim o desejo de expressar-se furiosamente, como se a vida dependesse de uma ampulheta. E então a maciez da cor alojada nas pinturas dá lugar à dureza da pedra nos objetostravesseiros.
Do azul que eleva o homem ao infinito ao ocre que o devolve à terra, à
frieza da pedra que o reconduz à existência; do comodismo (cadeiras) ao
aprisionamento (gavetas), das cores à pedra (travesseiros). Os travesseiros reclamam da artista plasmar, e “modelar é psicanalisar” (Bachelard).
As retinas fatigadas de Sandrini prosseguem executando a sua reforma
doméstica. A pintura continua passional, dramática, brutal, moldada quase que exclusivamente pela cor, que inscreve, no branco da tela, traços cruéis e fortes. Os travesseiros agregam outra ordem. Deveriam ser o lugar do toque macio, do repouso do corpo, do convite ao sono e ao sonho. Zona do descanso, da meditação, do devaneio. Mas o que dizer da opção da artista pelo travesseiro de pedra? No lugar das penas, do algodão e das espumas, a pedra; no lugar do macio, do aconchego, a rigidez. Esse travesseiro agressivo acalenta uma meditação profunda sobre vida e morte.
Não obstante, entre cor e pedra, na implacabilidade do cotidiano, no
desassossego da dor, em todas essas provações, Teca festeja a vida. A paixão pela vida é mais forte. Uma arte vigorosa emerge dos conflitos insolúveis. Em suma, em cada gesto – seja na leveza do pincel, seja na energia dos pigmentos, seja ainda na rudeza da pedra – Teca Sandrini colhe as impressões íntimas da existência noturna e celebra a vida diurna na esfera estética.
Sobre a artista
Estela Sandrini é formada em pintura na Escola de Música e Belas Artes do Paraná e tem especialização em Antropologia Filosófica pela Universidade Federal do Paraná. Trabalhou no ateliê do Professor Juan Carlo Labourdette, em Buenos Aires e no Maryland Institute of Art, nos Estados Unidos. Entre 2011 e 2017 foi Diretora Cultural do Museu Oscar Niemeyer. Participou de diversas exposições coletivas e individuais dentro e fora do país e possui obras em acervos permanentes como o Museu de Arte Contemporânea do Paraná; Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro; Museu da Gravura Cidade de Curitiba; Museu de Arte de Goiânia; Museu de Arte Brasileira, FAAP, São Paulo; Coleção de Brazilian-American Cultural Institute, Washington D.C; Eubie Blake Cultural Center, Baltimore, EUA; Museu da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Curitiba; Museu Metropolitano de Arte de Curitiba; Museu de Arte Contemporânea do Estado de Pernambuco; Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro; Coleção Carol Pulin, Washington D.C; Fundação Cultural de Curitiba e Museu Oscar Niemeyer.
Sobre a curadora
Maria José Justino é curadora, crítica de arte e professora adjunta da Escola de Música e Belas Artes Unespar. Possui mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1983), Doutorado em Estética e Ciências das Artes pela Universidade de Paris VIII (1991) e Pós-doutorado na EHESS-École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) (2008). Tem experiência na área de Filosofia (Estética) e em Artes, com ênfase em Artes Visuais, atuando principalmente nos seguintes temas: história da arte brasileira, crítica de arte, história da arte paranaense, estética e arte e sociedade.
Artista Teca Sandrini Curadoria Maria José Justino Coordenação de Projeto Rebeca Gavião Pinheiro Projeto Expográfico Juliano Sandrini Programação Visual Marciel Conrado Arte-Educadora Débora Russo Assistente de Produção Giovanna Sandrini Barbieri Assessoria de Imprensa Jocevaldo Macedo Revisão Joyce Finato Pires Incentivo Ademilar Captação Conecta Produção Gavião Pinheiro.
Projeto realizado com o apoio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura– Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.
A exposição #OQUERESTA é uma realização do #BRDE Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, por meio do Edital de Exposições de Artes Visuais (2019-2020). Comissão de Seleção: Geraldo Leão, Rafaela Tasca, Silvio De Bettio.